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Artigo
21/08/2013 | Humberto Butti: Lembranças de um tempo que não volta mais

 

 
 
Sou de um tempo em que minha família se reunia nas festas de Natal e Ano Novo. Um tempo feliz, em que nos reuníamos na casa de meus avós paternos, no alto da Vila Pereira, bem pertinho do Bairral.
 
Lembro bem dos afazeres de minha mãe no preparo dos doces nos dias que antecediam as festas de final de ano. O clima natalino, bem mais intenso que nos dias atuais, era algo que encantava e enchia nossos corações de alegria.
A expectativa pela chegada das festas e pela reunião que acontecia para o almoço no rancho, bem ao lado da parreira de uva e do pé de limão galego, aumentava a cada dia. Para nós, crianças, havia também a espera pelos presentes de Natal.
 
A mesa grande ficava repleta de gente. No Natal, além dos meus avós, meus tios Ivan, José Rubens e Marly e de minha família, vinha também a família de minha tia Lia. No Ano Novo era a vez da família de tia Shirley marcar presença. Sem contar os vizinhos e parentes mais próximos, que sempre apareciam para os cumprimentos, criando um clima ainda mais gostoso.
 
Diversos momentos daquela época são avivados em minha memória a cada Natal que chega. A saudade daquele tempo, bem diferente e mais feliz, chega a doer no cerne da alma.
 
Talvez seja por não ter mais a presença da grande maioria dos personagens que escreveram a história daquele menino magricela de orelhas grandes. Ou, então, por não tem mais o que comemorar, a não ser a presença de minha Mariane, um presente que Deus colocou em minha vida e por quem enfrento qualquer tipo de adversidade.
 
E, dentre tantas passagens felizes daquele tempo, uma não sai de minha memória. Lembro bem que era Ano Novo e que a casa de meu avô havia passado por uma pintura. No quintal havia uma caixa d’água com os restos da cal que havia sido utilizada na pintura.
 
Tudo começou após o almoço. Meu pai, meus tios e meu avô João passaram a fazer guerra de água. Lembro da cena do meu tio José Rubens, ainda seminarista, postado em cima do telhado com uma tigela cheia d’água, aguardando a primeira vítima passar por ali.
 
A brincadeira durou um bom tempo e, para completar a farra, meu avô foi a vítima. Com vassouras embebidas na cal, meu pai e meus tios pintaram meu avô de branco da cabeça aos pés, apesar dos protestos de minha avó, sempre avessa às brincadeiras.
 
Quando tudo terminou e todos estavam brancos como fantasmas, veio o pior. A guerra de água minou o reservatório da casa e não havia nem uma gota para o banho.
 
Sem alternativa para resolver o problema o jeito foi procurar uma solução do lado de fora. E o chuveiro do vestiário do velho estádio Chico Vieira, ao lado do parque Juca Mulato, virou a tábua de salvação.
 
Esse tempo não volta mais, muitos personagens dessa história não estão mais entre nós, mas sinto a presença deles. Ao fechar os olhos posso enxergar o presépio montado na sala, posso ouvir o burburinho das vozes e as músicas natalinas saindo da picape Phillips de minha tia Marly, posso sentir o sabor da comida colocada à mesa e a alegria no semblante de cada um.
 
Mas, quando abro novamente os olhos tudo isso se dissipa como uma nuvem e a realidade, cruel e implacável, me devolve ao tempo atual. Me sinto órfão, sem forças para prosseguir minha caminhada. Mas basta olhar para minha pequena Mariane, companheirinha de todos os momentos, e minhas forças se renovam.
 
 
Refém do passado
 
Sou de um tempo em que eu nem imaginava que um dia iria recordar aquele tempo e sofrer de saudade. Um tempo tão bom que hoje me sinto refém do passado, pois é nele que busco a força para viver o presente e sedimentar o caminho do futuro.
 
Se um dia Deus me desse permissão para voltar no tempo, acredito que a opção seria uma viagem por tantos momentos que marcaram minha passagem por esse mundo. Pediria a Ele a permissão para ser criança novamente, mesmo que fosse para ser um menino magricela de orelhas grandes outra vez, contanto que pudesse viver de novo a expectativa da espera pelo Papai Noel.
 
Como dói no cerne de minha alma olhar para a grande árvore de Natal de casa e lembrar a história de cada bola ou enfeite ali pendurado, principalmente os mais antigos, que fizeram parte de minha infância e que conservo até hoje. Olho para a espiga de milho, a violinha, o balão, o moinho ou para o Papai Noel já desbotado e volto no tempo sem ter vontade de retornar ao presente.
 
Corro os olhos pela bola verde, que estampa uma margarida pintada pela Vera, minha irmã mais velha, e me lembro de um certo galho de goiabeira, pintado com tinta purpurina e envolto em algodão, que era a nossa árvore de Natal. Que tempo bom, repleto de boas recordações e momentos inesquecíveis para esse coração apertado de saudade.
 
Por que será que a cada momento de lembrança desse tempo o nó que se forma em minha garganta aperta e me dá a sensação de estar usando uma gravata que me sufoca? Talvez seja por ter ciência de que nunca mais terei tudo isso de volta, por mais que queira.
 
Sei que não posso voltar no tempo, mas também sei que recordar tudo isso, apesar da dor que a lembrança causa, mostra que minha estadia por aqui foi proveitosa e repleta de bons momentos. E isso já é o suficiente para me encher de força para continuar em frente.
 
Sei que um dia, lá na frente, minha pequena Mariane, que agora dorme a sono solto e nem ouve as músicas que ouço e me transportam para a janela do meu quarto lá na casa número 20 da Comendador João Cintra, vai ler tudo isso e descobrir que seu velho pai era um menino magricela de orelhas grandes, que adorava o Natal e Papai Noel, que era apreciador de boa música e que um dia teria muito o que contar. Quem sabe, um dia, Deus me conceda esse último pedido e, de mãos dadas com minha pequena companheira, eu possa viajar no tempo e mostrar a ela tudo isso.
 
Quem sabe a gente se sente debaixo da parreira de uva da casa de meus avós paternos, lá na João Pereira, e belisque os cachinhos de uva sem que minha avó Leonor perceba e aproveite para ligar a  vitrola de minha tia Marly para ouvir Jhonny Rivers ou Chris Montez; ou na janela do meu quarto para apreciar as boas e inesquecíveis músicas da Rádio Mundial; ou ainda tenha um tempinho para contar as casinhas coloridas do Cubatão, sentados na janela do banheiro. Ou então chorar, recordando tudo isso nas histórias de minha vida que contarei, detalhe por detalhe, para que ela possa entender tudo e querer, junto comigo, viajar no tempo.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte: Humberto Butti

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