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Itapira, 19 de Abril de 2024
Artigo
23/10/2013 | Luiz Santos: Espiritualidade: ‘Ora et Labora’ na Reforma Protestante

 “Agora a sua vida está escondida com Cristo em Deus.” (Cl 3.3b).

A pós-modernidade caracterizou-se, entre outros, por uma busca renovada por questões espirituais. Não é que a pretensa autonomia da razão e o cientificismo da modernidade tenham fracassado pura e simplesmente. Apenas houve uma confusão de propriedades. A razão não é contrária e nem pode ser às questões espirituais, pois o próprio raciocínio é uma operação espiritual. Tampouco ciência e espiritualidade possuem o mesmo objeto formal sobre o qual se debruçar. Além do mais, com o passar do tempo verificou-se que razão e fé não se opõem, tanto quanto ciência e espiritualidade não são antagonistas. Mas divorciadas, os extremismos de ambos só levam o  homem a viver uma vida pela metade, sem inteireza, empobrecendo bastante a sua experiência de vida e de compreensão da realidade.

Nos dias da Reforma Protestante algo desta esquizofrenia pairava sobre a humanidade. Viviam-se dias de uma fé cega, irracional (por mais que a teologia escolástica procurasse reduzir e sistematizar o mistério da fé em arrazoados e proposições lógicas), a experiência do homem comum e seu culto tinha mais de medo e superstição do que de fé. Este terreno sem esclarecimento e fundamento bíblico era fértil, propício, para toda sorte de crendices que arrastavam a humanidade para uma cosmovisão dicotômica, isto é, uma leitura fragmentada da vida e do mundo, onde o sagrado e o profano, o religioso e o secular, moralidade e ética e tudo o mais ficassem em lados opostos na vida de uma pessoa e de toda a sociedade. Naqueles dias, religião e vida concreta eram coisas separadas. O sagrado era algo que acontecia dentro do templo, dentro da liturgia. E estamos falando de um tempo onde a Teologia, a Igreja, as Catedrais pareciam dominar o cenário, era o regime da alta cristandade. Contudo, o que havia era mais misticismo do que espiritualidade.

Espiritualidade tem muito pouco a ver com experiências místicas. Espiritualidade, para os Reformadores desde os dias de Lutero e Calvino, tem a ver com conhecimento. Conhecimento de Deus, seu caráter, sua vontade, seu modo de agir e comunicar-se conosco, sua providência. Conhecimento do homem (de si mesmo), de seu mistério e de suas contradições internas. Conhecimento do propósito de sua criação desde a perspectiva de Deus e sua relação com os demais seres criados e, sobretudo, sua relação com o próprio Deus. Para os Reformadores a espiritualidade se alimenta, se fundamenta, recebe força na adoração, na comunhão espiritual com Deus através dos meios de graças (Bíblia, Sacramento, Oração, Boas Obras, Vida na Igreja e etc.), mas não se legitima e nem se resume nestas coisas. Não é mais espiritual quem ora mais ou lê mais a Bíblia pura e simplesmente.

Os Reformadores entenderam que estas coisas eram imprescindíveis, mas só em conexão com a concretude da vida. Assim, tem uma vida espiritual saudável, na ótica da tradição reformada, quem vive sua espiritualidade através de sua vocação no mundo. Pedreiros, sapateiros, motoristas, donas de casa, executivos, médicos, professores, casados, solteiros, viúvos, namorados, pastores, todos são chamados a viver o chamado a comunhão com Deus, à santidade, a uma vida de experiências espirituais no reto, gozoso e responsável cumprimento de seus deveres no mundo real, concreto, das relações interpessoais, no trabalho. Esta foi uma novidade para aqueles dias, pois só os monges, as freiras, os sacerdotes e alguns privilegiados tinham acesso a esta vida espiritual. Acesso por meio da proteção oferecida pela clausura e pelo claustro, pela renúncia com as obrigações e deveres do comum dos homens. O celibato e os votos religiosos (chamados de conselhos evangélicos), pobreza, castidade e obediência, eram revestidos de uma mística só para “super cristãos”.

Assim, para nós protestantes, ser espiritual não é fugir do mundo. Não há um chamado de Deus para entregarmos as nossas vidas menos que um monge ou uma freira. Também somos chamados a ter um coração indiviso inteiramente consagrado a Deus. A sermos castos em nosso relacionamento conjugal e com todas as pessoas. Nossa relação com o dinheiro e os bens são regulados pela ética do trabalho, da solidariedade, da responsabilidade social e da mordomia cristã. Também somos chamados a uma vida de obediência. Obediência a Deus, estrita e absoluta. Obediência a nossos superiores e líderes espirituais. Fraterna, dialogada, amorosa e tão somente enquanto estiverem dentro da Palavra de Deus. Enfim, espiritualidade é algo que somos chamados a ter e a viver no coração do mundo. Para lá levamos a experiência que fazemos na adoração, na contemplação, na oração e na vida sacramental. Vivemos e aceitamos o “Ora et Labora”.

Reverendo Luiz Fernando

Pastor da Igreja Presbiteriana Central de Itapira

Fonte: Luiz Santos

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