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Itapira, 19 de Abril de 2024
Artigo
22/09/2014 | Nino Marcati: O dia em que fui dado como louco

 

É da natureza humana a tentativa de requerer para o campo individual a capacidade de julgar e condenar as pessoas pelos seus sentimentos ou pelas suas tendências comportamentais ou políticas, por suas raças ou credos. O espírito de julgamento antecipado, notadamente sem base da verdade ou da comprovação dos fatos, também se dá diante de acontecimentos próximos ou distantes depois de colecionarmos meia dúzia de informações, junta-las à opinião lastreada no preconceito ou na moral e chegar ao veredito. Não é difícil projetar que se fossemos os juízes de todas as mazelas humanas, qualquer caso teria rito processual não superior a meia hora. Mas seriam julgamentos justos? E se o réu for um parente, um filho ou nós mesmos?
 
Muitos especialistas atribuem ao pré-julgamento, de qualquer natureza, a ferramenta que o ser humano desenvolveu para se defender das ameaças imaginárias e negar a realidade tal qual foi concebida. Freud mostrou que “o medo frente ao desconhecido, ao diferente, é menos produto daquilo que não conhecemos, do que daquilo que não queremos e não podemos reconhecer em nós mesmos por meio dos outros.” Eis, portanto, uma falha, dentre tantas, da nossa condição de seres humanos. Uma falha que uma vez interpretada como tal, deve passar por automonitoramento constante. A vida nos impõe o risco de vivenciarmos experiências desconcertantes na condição de ativos ou de passivos, a qualquer momento. O fato é que somos vítimas constantes dos pré-juízos, nem todos, felizmente, pesados ou insolúveis.
 
Eu morava no bairro de São Vicente, próximo a Indústria Pegorari. Era um período em que eu fazia caminhadas matinais. Eu saia de casa, pegava a SP-147 até a Algodoeira Caio e entrava a direita por uma estrada de terra que terminava na Clinica Santa Fé. No asfalto, continuava pela Avenida Jacareí, parava na Kipão para garantir o café da manhã, subia a Monteiro Lobato e depois da Castro Alves chegava ao ponto da partida.
 
Eu caminhava só, refletindo, contemplando a natureza. Um belo dia, usando um agasalho predominantemente cinza claro, vi uma Belina (perua Ford) da Clinica Santa Fé parar ao meu lado, de onde desceram duas pessoas, um motorista e um enfermeiro. Os dois tentaram me pegar pelos braços e me colocar dentro do veículo. Achavam que eu era um fugitivo da instituição. Não foram violentos, mas relutaram em aceitar, no início, as minhas justificativas. Condenaram-me, antecipadamente, talvez por estar caminhando sozinho, usando a trilha que eles convencionaram tratar-se de uma rota de fuga exclusiva dos pacientes da Santa Fé. Um deles, depois de certo tempo, acabou me reconhecendo. Foram embora e eu continuei a caminhada. Fiquei imaginando, depois, que eles poderiam ter me dado um sossega leão, me levar inconsciente, me trancar num quarto qualquer e me dar a medicação do suposto fugitivo. Poderiam me matar! Afinal, a minha reação pode não ter sido diferente daquelas que eles estavam habituados.
 
Essa história, como não mantive segredo, virou motivo de piada que meus amigos, vez por outra recordam e agregam novos elementos. Mas naquele momento, ser confundido com um internado, sem ter por alguns momentos chance de defesa, onde o pior poderia acontecer, não foi nada engraçado. Faltou preparação aos funcionários. Bastariam dois dedos de prosa antes do julgamento antecipado.
Fonte: Nino Marcati

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