Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu? Esse verso de Chico Buarque vem rondando meus pensamentos nos últimos dias diante das babaquices corporativas escancaradas desde o anúncio pelo governo federal da adoção do programa “Mais Médicos” e a intenção em trazer, de fora, os profissionais que aqui não têm ou que não se habilitam.
Pelo menos, a celeuma em torno do assunto me fez ver que a responsabilidade da deficiência no sistema de saúde deste país não deve ser atribuída, exclusivamente, aos governantes brasileiros, deixando os profissionais da área apenas como vítimas. A julgar pela reação destemperada e desprovida de argumentos razoáveis, quem poderá me garantir que em outros momentos planos semelhantes, diante do torpedeamento síncrono e pesado, não teria levado o poder público a se retrair, mantendo o status quo? Nenhuma generalização é justa. Sempre há exceções, nesse caso, talvez, insignificantes.
Ninguém, em sã consciência, abraçante do sistema capitalista, se colocará contrario a que médicos ou qualquer outra categoria profissional ganhem muito dinheiro como resposta à qualidade do serviço que presta. Quanto melhor, mais procurado, mais bem remunerado.
O assoberbamento da classe médica está referendando uma velha desconfiança: o controle de mercado a qualquer custo. Nada é novidade nesse front. É fácil reunir, em pouco tempo, inúmeros relatos de ações corporativas que restringem a quantidade de vagas nas faculdades de medicina e nas áreas de atuação profissional. Reclamações, oriundas dos próprios médicos, falam da dificuldade de integração aos corpos clínicos de hospitais filantrópicos e privados ou do impedimento do uso forasteiro remunerado dos centros cirúrgicos dessas entidades. Não bastasse isso, há a reclamação constante de usuários dos planos de saúde sob a quantidade de especialistas disponíveis, levando-os à espera de trinta a noventa dias para uma consulta.
Eis alguns disparates: 16 mil médicos se inscreveram no referido programa, desses, mais de 14 mil adulteraram dados e fraudaram o princípio básico da boa fé em clara demonstração de boicote ao projeto; praticam terrorismo da pior espécie ao desqualificar os médicos estrangeiros, como se os nossos fossem o suprassumo da medicina mundial; sem falar na campanha sórdida de que os médicos cubanos, por conta da cor da pele, se parecem com empregadas domésticas, associando-os à incompetência e ao despreparo, quando a ONU coloca a medicina cubana entre as melhores do mundo, com ações positivas em países pobres e em áreas devastadas por catástrofes e epidemias.
O mundo cresceu. Há cinquenta e oito anos Itapira não tinha pronto socorro, nem unidades de atendimento. Eu era bebê de colo e desenvolvi uma infecção viral contagiosa chamada crupe. Desesperada, minha mãe saiu em busca do Dr. Achiles que naquele instante assistia um filme no Cine Paratodos. Chamado, prontamente a atendeu e iniciou o tratamento. Em seis horas controlou o quadro que era grave. Se eu tivesse nascido numa das tantas localidades sem médicos deste país, provavelmente não estaria aqui para recontar a história. A letra de Roda Viva termina assim: o tempo rodou num instante, nas voltas do meu coração... Médicos cubanos sejam bem vindos!
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