Carregando aguarde...
Itapira, 23 de Abril de 2024
Artigo
25/08/2014 | Nino Marcati: Um quarto de século sem Raul Seixas

 

Eu devia estar chateado por ter vivido os anos dourados da minha juventude sob a tutela de uma ditadura militar. Um tempo em que a liberdade de expressão era controlada, aprisionada e torturada e a censura imperava. Eu devia estar triste por não ter podido me manifestar politicamente, naquela época, como gostaria. Eu devia achar engraçado eu e amigos nos refugiando em chácaras ou bares da periferia nos finais de semana para girar as nossas saudosas rodas de samba... Eu pergunto, então, “E daí?” Daí é que vivemos, apesar de tudo, um período de intensa criatividade onde os nossos compositores preferidos burlavam com inteligência as amarras dos anos de chumbo. Cantávamos e comentávamos... Despertava!
 
Em 1973, Raul Seixas colocou na parada uma música intitulada “Ouro de Tolo”, onde dizia que ele devia estar contente por ter um emprego, de ser um cidadão respeitável e de ganhar um bom salário no fim do mês. Que devia agradecer ao Senhor, de estar feliz com o sucesso e de ter conseguido comprar um carro do ano. Dizia, ainda, que deva estar alegre e satisfeito por morar em Ipanema depois de passar fome por dois anos na cidade maravilhosa. E mais, que devia estar orgulhoso por ter vencido na vida, mas que achava tudo aquilo uma grande piada, da mais perigosa. Por isso, vivia abestalhado e estava decepcionado. Achava que tudo parecia muito fácil e perguntava “E daí?” E o monte de coisas que havia a conquistar? Concluía que não podia ficar parado.
 
Reforçava que devia estar feliz pelo Senhor ter lhe concedido o domingo de folga para levar a família ao Zoológico para dar pipoca aos macacos, mas que se achava um sujeito chato, que não via nada engraçado em macaco, praia, carro, jornal, tobogã... Tudo aquilo era para ele um saco, principalmente quando se olhava no espelho e se sentia um grandessíssimo idiota, ridículo, limitado por usar só dez por cento da cabeça que ele tinha.
 
Perguntava se alguém acreditava que um doutor, padre ou policial, todos nós, enfim, estaríamos contribuindo cada qual com a sua parte para o belo quadro social. Pois ele não queria ser daqueles que se sentava no trono do apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando que a morte chegasse. Finalizava dizendo que além das cercas embandeiradas que separavam os quintais, do alto ele conseguia ver a sombra sonora de um disco voador.
 
Essa música autobiográfica debochava da ditadura e da sociedade que apoiava tudo aquilo. Seixas usou uma expressão da idade média “Ouro de tolo” para reproduzir as aspirações da classe média que se embebedava com o milagre econômico, com a estabilidade social e com o conformismo religioso. Mensagem que bem pouca gente entendeu. A ditadura só viu a ficha cair em 1974 quando Raul foi preso, torturado e mandado à força aos Estados Unidos.
 
Felizmente, no ano da morte dele, em 1989, começamos a tomar o rumo da democracia. Vinte e cinco anos depois, caminhamos para a sétima eleição presidencial direta. Um fato inédito em nossa história. Passamos por diversas provações e até pela ousadia de algumas pessoas pedindo o retorno da velha ditadura. Coitados! Winston Churchill bem dizia: “A Democracia é o pior regime, com exceção de todos os outros”...
 
É isso aí, maluco beleza!
Fonte: Nino Marcati

Comentários, artigos e outras opiniões de colaboradores e articulistas não refletem necessariamente o pensamento do site, sendo de única e total responsabilidade de seus autores.

Outros artigos de Nino Marcati
Deixe seu Comentário
(não ficará visível no site)
* Máx 250 caracteres

* Todos os campos são de preenchimento obrigatório

1382 visitantes online
O Canal de Vídeo do Portal Cidade de Itapira

Classificados
2005-2024 | Portal Cidade de Itapira
® Todos os direitos reservados
É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste portal sem prévia autorização.
Desenvolvido e mantido por: Softvideo produções