Não é a primeira vez que tiro alguns dias para “resetar” o meu velho HD em Natal, a capital do Rio Grande do Norte.  Para mim, a cidade nordestina mais atrativa. A repetência no destino talvez venha da localização geográfica bem destacada no mapa do Brasil que me fascina desde os tempos do grupo escolar: a esquina da América do Sul. O lugar onde o vento faz a curva. Comigo, as testemunhas: Nivaldo, Fátima, Letícia, Caroline, Renato, Gilmara e Zoraia.

 

Credito tal preferência aos aspectos climáticos: a temperatura varia muito pouco. Durante dia, o ano todo, entre 28°C e 31°C. Raramente, Natal passa dois ou três dias seguidos com o tempo fechado. O Sol é forte, mas tem uma brisa que sopra refrescando ou enganando os incautos que se esquecem da necessidade do uso de filtro solar.  Valorizo, ainda, a serenidade do natalense que não aprendeu, ainda, a correr contra o tempo. E tenho um apreço especial pela sagacidade não esperta desse povo: tem sempre respostas simples e objetivas na ponta da língua. Conto, como exemplo, a seguinte passagem: alguém pediu um suco de laranja sem açúcar. Ao servi-lo, o fundo do copo revelava o açúcar não solicitado. Ao ser lembrado que o pedido era não adoçado, imediatamente, o garçom respondeu: “mexe não!”  

 

Para um país que se liga em política só na campanha eleitoral e depois da eleição nem se resgata o nome em quem votou, dentre as cidades que conheço, Natal é exceção. É impressionante o nível de politização desse povo. Basta puxar o assunto com garçons, taxistas, vendedores etc. que a política rola solta e uníssona com a maior seriedade e consciência. Todas as pessoas com quem conversei sabiam, por exemplo, que  a governadora é do DEM e que carrega um índice de desaprovação de mais de 60%. Sabiam que a prefeita do PV ultrapassou a marca dos 90% de rejeição. Garantiam, no ato, que nenhuma das duas voltará à política tão cedo. “Fizeram muita bobagem”, dizem. Mas tem um detalhe interessante: todos sabiam a razão delas terem sido eleitas, assumindo a responsabilidade pela escolha e apontavam, rapidamente, as principais falhas: a governadora jogou todos os recursos para Mossoró, envolveu-se em corrupção e criou problemas para as obras da copa. Já a prefeita, faz de conta que não tem uma cidade para cuidar. Além dos indícios de corrupção e envolvimento com a máfia do lixo, da merenda escolar, do transporte público, da rede particular de saúde e da rede hoteleira, os bairros classe A e dos hotéis de primeira linha estão todos bem cuidados. O resto, ao Deus dará.

 

Quando comecei a escrever este artigo e o pouco que passei nessa cidade agradável, lembrei-me do meu velho – e bota velho nisso – companheiro Natal, com quem me casei, como sócio, a mais de trinta anos.  Poucos itapirenses, aliás, não tiveram o professor Natal Pierossi em suas vidas ou na de seus familiares. Amante da música, só resolveu aprendê-la, de fato, depois dos cinquenta anos de idade.  É atencioso e dedicado, mas tem dois grandes defeitos: é antipetista radical e corinthiano fervoroso.

          

Todos os dias, religiosamente, reservo quinze minutos para passar na sala dele, levando no gatilho assuntos provocativos. Ora com notícia favorável ao governo e ao PT, onde ele sempre que pode, contesta, ora com informação que desprestigie o seu poderoso timão, onde podendo ou não podendo, ele defende a exaustão. A graça dessas provocações é que o Natal mesmo sabendo que a minha intenção é “encher-lhe o saco”, mesmo assim discute com a maior seriedade e braveza possível. Aquela braveza própria dos velhos ranzinzas. Às vezes, dada a importância desse ritual, na falha de um dia por motivo justificado, no outro lhe procuro, peço desculpa pela ausência e recupero a brincadeira perdida. No final, quase sempre, acabamos nas gargalhadas. Risos que fazem bem tanto a mim como a ele. Nada mais do que uma desfragmentação do nosso HD.

 

Fiquei uma semana em Natal para recarregar as baterias e consegui. Mas, agora, tenho pela frente a recuperação de uma semana perdida, sem o Natal por perto.