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Artigo
10/06/2013 | Padre Pires: Igreja Católica e Homossexualismo

 

 
França, Inglaterra e Brasil legalizam o casamento gay. Um francês suicida-se na Catedral de Notre Dame por causa da aprovação desse casamento pelo seu governo e alguns setores da Igreja Católica e Pentecostal protestam em Brasília. Daniela Mercury apresenta sua esposa em rede nacional de televisão e um padre de Bauru é expulso da Igreja por desobedecer ao seu bispo e defender a união homossexual. O assunto está em pauta.
 
Os cristãos fundamentalistas baseiam sua condenação à homossexualidade por um texto do Levítico 18, 22: "Não se deite com um homem, como se fosse uma mulher: é uma abominação". Destacam esse versículo do código levítico e, já que foi escrito pelo próprio Deus, é preciso obedecê-la. Porém não deixamos de apontar que a Bíblia é um dos livros mais manipulados para explicar qualquer coisa. Através de recortes ideológicos de seus textos os interessados justificam posturas teológicas, morais, políticas e sociais. 
 
Os escritos bíblicos são palavra de Deus, mas também são produtos da mediação histórica - palavra do homem. Uma interpretação fundamentalista de outras leis contidas na Bíblia nos levaria a dizer que é legítimo vender a filha (Ex 21,7), proibir deficientes de se aproximarem do altar (Lv 21,17-21), os homens teriam de andar como hippies, sem cortar o cabelo ou a barba (Lv 19,27) e legalmente poderia ser executado quem trabalhasse no sábado (Ex 35,2). A teologia nos ensina que a revelação divina se dá sempre a partir dos condicionamentos culturais, dialeticamente mutáveis no tempo e no espaço. Tanto os textos bíblicos como os teológicos estão condicionados por pressupostos históricos e antropológicos.  
 
Mesmo para os escritos do Novo Testamento existem condicionantes culturais. São Paulo, por exemplo, escreve que “as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos” (Ef 5,24 e Cl 3,18) e também, mais adiante “não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio” (I Tm 2,12). Se vivesse hoje ele seria processado pelos defensores da lei Maria da Penha e crucificado pelas feministas. 
 
Jesus acolheu, reinterpretou e transformou radicalmente a revelação do Antigo Testamento. Ele não falou nada da sexualidade humana, talvez porque tivesse consciência da complexidade do problema. Se o próprio Jesus se calou a Igreja Católica deveria ser mais humilde e reconhecer sua incompetência para lançar palavras definitivas sobre o assunto. Já que sua missão é a mesma que a de Jesus, os Evangelhos nos fornecem alguns critérios fundamentais para analisar tanto a questão homossexual como qualquer outra com que nos deparamos: 1. Jesus não marginaliza nem discrimina ninguém; 2. As ações de Jesus se pautam pela misericórdia; 3. Jesus relativiza as leis e as prescrições.
 
A instrução católica sobre a homossexualidade, aprovada pelo papa Bento XVI em 31 de agosto de 2005 afirma "que os atos homossexuais são pecados graves, intrinsecamente imorais e contrários à lei natural." Chamo a atenção para o tópico "contrário à lei natural". Paulo Freire, num manual de alfabetização (Educação como prática da liberdade), explica a diferença entre natureza e cultura. A pena quando está no pássaro é natureza, mas quando usada pelo índio como enfeite é cultura. Fome é instinto natural, mas a maneira de saciar este instinto é cultura, já que os costumes alimentares variam no tempo e no espaço. O sexo, que também é instinto natural, tem seus costumes expressos pela cultura. E a cultura humana, mutável no tempo e no espaço, tem diferentes maneiras de expressar, disciplinar e reprimir o instinto sexual. 
 
Edward Schillebeeckx, um grande teólogo, escreveu que "a homossexualidade é um problema humano, que deve ser resolvido de forma humana". A Bíblia nos ajuda a ter uma visão geral sobre os princípios éticos da sexualidade, mas não sobre suas formas e variações. Como católicos não podemos acrescentar nada de específico a uma questão que deve ser analisada da perspectiva das ciências humanas pertinentes (psicologia, antropologia, história, etc.). Padres, que supostamente não praticam sexo (se o fazem é na clandestinidade e entupidos de culpa), não são as pessoas mais indicadas para ditar quais práticas sexuais são ou não corretas. Eles podem e devem lembrar os princípios básicos da dignidade humana, mas a maneira dos corpos desfrutarem o prazer entre si, desde que a liberdade de cada um seja respeitada, não interessa aos outros. Aliás, acho incompreensível que clérigos, sejam católicos, protestantes ou mulçumanos, ditem normas sobre uso de camisinha, pílulas, posições sexuais corretas ou não e assim por diante.
 
Com católicos também temos o direito de questionar as proclamações oficiais da hierarquia. A doutrina da homossexualidade não faz parte do depósito imutável da fé.Por que não considerar a homossexualidade uma outra maneira de viver a sexualidade humana e não um desvio? Um desafio para a igreja católica é admitir a diversidade sexual não como um problema, mas como valor. 
 
Quando a hierarquia condena de maneira muito genérica, é preciso mostrar-lhe que a obediência ao Evangelho é a norma fundamental. Nestes casos, a correção e a profecia são um dever. Os homossexuais têm direito, como toda pessoa humana, de se relacionar com Deus e serem testemunhas de Cristo no mundo. É na base do seguimento de Jesus que se deve ir gestando um novo tipo de experiência de inclusão. Todos ganham com isso, inclusive os héteros e os homófobos. 
 
Reconheço a complexidade e dificuldade da Igreja Católica em lidar com essa questão, mas no campo da política deveria mais fácil. O PT, nestes dez anos de poder, deu voz forte às mulheres e aos negros. Voz que eles nunca tiveram antes. Temos e tivemos mulheres e negros no primeiro escalão do governo, mas nenhum gay foi contemplado com um cargo importante. Até aquela chata da Danuza Leão reconheceu isso num artigo publicado na Folha de São Paulo de 17 de fevereiro deste ano.
 
Ela diz ser evidente que existam gays em postos altíssimos da República, só que ainda enrustidos. E assinala que se os prefeitos de Nova York, Paris e Berlim - e excelentes prefeitos, tanto que foram reeleitos, são gays fora do armário, porque o Brasil não pode ter um ministro assumido? Seria bacana ver o ex-presidente Lula num palanque pedindo votos para um candidato gay. Vamos lá, Lula? A reforma ministerial está por pouco e a campanha já começou, dois bons momentos que não podem ser desperdiçados, a não ser que a teoria na prática seja outra.
 
Neste tempo conturbado de crises ideológicas, políticas, sociais e morais e Igreja pode contribuir bastante para ajudar o ser humano a encontrar trilhas consistentes. Será que ficar dizendo para pessoas adultas e livres como, quando e com quem transam deve ser priorizado? "É preciso, enfim, recordar, de modo particular, a grande parábola do juízo final, onde o amor se torna o critério para a decisão definitiva sobre o valor ou a inutilidade da vida humana." (Bento XVI in DEUS CARITAS EST, número 15). 
 
Fonte: Padre Pires

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