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01/06/2021 | Luiz Santos: O Mal Banal

 Banalidade do mal é uma expressão criada por Hannah Arendt (1906-1975), teórica política alemã, em seu livro Eichmann em Jerusalém, cujo subtítulo é "um relato sobre a banalidade do mal". Em Eichmann em Jerusalém, Arendt retoma a questão do mal radical kantiano, politizando-o. Analisa o mal quando este atinge grupos sociais ou o próprio Estado. Segundo a filósofa, o mal não é uma categoria ontológica, não é natureza, nem metafísica. É político e histórico: é produzido por homens e se manifesta apenas onde encontra espaço institucional para isso - em razão de uma escolha política. A trivialização da violência corresponde, para Arendt, ao vazio de pensamento, onde a banalidade do mal se instala’1.

Escrevo essa pastoral com a celeridade e a brevidade que o texto exige, cujo escopo principal, é levar sempre uma palavra de reflexão e esperança para a Igreja que pastoreio, por isso mesmo, não posso e não fiz uma pesquisa mais ampla e me dei por satisfeito com o que encontrei nessa conhecida biblioteca digital. Vivemos dias difíceis e a cada dia me surpreendo como o mal tem sido banalizado de muitas maneiras nessa pandemia. O mais triste e o já esperado é que essa banalização vem dos nossos líderes políticos e também religiosos.

O modo como lidam com as perdas irreparáveis de cada momento, o deboche escancarado à luz do sol como priorizar temas e assuntos que não tem absolutamente nada a ver com a ordem do dia, como a liberação de armas ou se a Copa América pode ou não ser disputada no Brasil e etc., justamente às vésperas de uma possível terceira onda da pandemia, é um descaso de lesa-humanidade.

Claro, que ao ler-me, muitos se levantarão para dizer que escrevo porque sou contra o governo ou porque sou comunista. Bom, nem uma coisa nem outra. Como cristão e como pastor é meu solene dever orar pelas autoridades: “Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ação de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade. Isso é bom e agradável perante Deus, nosso Salvador, que deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tm 2.1-4). E como pastor ainda, sei que é no melhor interesse do povo de Deus que esse governo ou qualquer outro seja exitoso: “Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e orem ao Senhor em favor dela, porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela" (Jr 29.7). Esse é um princípio geral das Sagradas Escrituras.

Entretanto, também é meu dever, pelo menos com a minha consciência, não me deixar levar pelos irracionais passionalismos das ideologias de plantão. Não posso deixar de constatar e de sentir que desde o início em uma espiral crescente, o mal foi e está sendo banalizado na pandemia. As expressões infelizes e desalmadas, os gestos truculentos, as ameaças soltas no ar, as palavras pesadas e de intimidação, as narrativas descoladas da realidade e completamente falaciosas (mentirosas até), a politização politiqueira da crise sanitária sempre aquecida e alimentada pela voraz fogueira das vaidades, o insistente discurso de transferência de responsabilidade.

Tudo isso, somados ao mau uso dos minguados e sempre demorados repasses das verbas públicas por um grande número de gestores Brasil a fora, configuram essa banalização do mal, que nada mais é, do que a banalização da vida.

A Igreja não deve se intrometer nos negócios do Estado, este possui uma esfera própria e legítima de atuar. Entretanto, isso não significa que ela não tenha nada a dizer, ela existe entre outras coisas para ser uma espécie de consciência para o Estado. Consciência, diga-se de passagem, para chamar a atenção do Estado para cumprir a sua essencial missão de defender a vida humana em sociedade, coibir o mal, impor limites ao pecado em forma de crimes e injustiças e promover o bem de todos e garantir a dignidade da vida humana.

Assim, não cabe a Igreja apoiar ou se opor politicamente, mas manter-se em sua missão profética de reivindicar do Estado que cumpra com suas obrigações. Contudo, os cristãos individualmente, como parte dos mandatos cultural e social recebidos ainda no Éden, e como condição de cidadãos conscientes, podem e devem se engajar na política partidária ou não e ali, fiel à sua consciência e à luz das Escrituras, apoiar criticamente o governo de ocasião ou plataforma política vigente, opor-se a eles de maneira contundente e propositiva, quando os mesmos (governo e plataformas), estão aquém ou além de suas competências, da moralidade e da probidade que lhes são exigidas e nunca podem ser negociadas.

Banaliza o mal quem perde o senso da realidade, da crítica, quem não faz escolhas discernidas e é incapaz de enxergar o mundo sem a compaixão necessária, sem empatia. Quase 500 mil mortos não são apenas números, é a anatomia do mal banal.

Reverendo Luiz Fernando é pastor na Igreja Presbiteriana Central de Itapira

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Banalidade_do_mal

 

Fonte: Luiz Santos

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