Os três altares da família
“Até o pardal achou um lar, e a andorinha um ninho para si, para abrigar os seus filhotes, um lugar perto do teu altar, ó Senhor dos Exércitos, meu Rei e meu Deus” (Sl 84.3).
Um pai da igreja chamado João Crisóstomo que viveu entre os anos de 347 -407, em um dos seus sermões, na verdade uma catequese, ensinou sobre os três altares da família. Os três lugares em que a família, representada nos pais, prestam culto a Deus, recebem grande conforto e alívio para a faina diária e são instruídos na caridade e na verdade. O primeiro altar a que o “Boca de Ouro” (Crisóstomo) se refere é o altar do leito nupcial. Para esse pai da igreja a vida matrimonial e de maneira singular a sexualidade é um valioso instrumento de fomento espiritual, aprendizado da entrega, da doação de si e na recepção integral, respeitosa e amorosa do outro que se confia inteiramente. O leito nupcial é um altar, na medida em que os casais, de maneira sempre casta e pura, por meio de seus desejos legítimos, oferecem entre si e os dois a Deus, o sacrifício de um amor todo oblativo. Crisóstomo e mais tarde Agostinho, vai ensinar que todo o prazer experimentado na vida sexual dos cônjuges é uma dádiva divina para que o homem e a mulher pudessem desfrutar um pouco do gozo eterno que a Trindade desfruta em sua eterna relação de amor. Para os cristãos, desde sempre, sexo é coisa séria e santa e não pode ser tratado na arena da comédia, da pornografia e da vazão irracional das nossas paixões caídas. Não é à toa que a carta aos Hebreus nos exorta a conservar o leito nupcial sem mácula: “O casamento deve ser honrado por todos; o leito conjugal, conservado puro; pois Deus julgará os imorais e os adúlteros” (Hb 13.4). Na intimidade constante, na troca de confidências, na abertura ao outro, vários aspectos da nossa humanidade, da nossa personalidade vão sendo aprimorados e sem dúvidas a nossa saúde emocional, afetiva e espiritual mantidas e reforçadas. Para os crentes, a vida sexual também está a serviço da santificação. Por isso, o leito nupcial é o primeiro altar. O segundo altar da família é a mesa onde se faz (fazia, talvez?), as refeições. A tradição judaico-cristã, conheceu desde sempre, pequenos ritos litúrgicos antes e após as refeições. Os judeus possuem bendições para os momentos à mesa. O Senhor Jesus, autêntico observador dessa tradição e seu mais veraz intérprete, deu-nos provas cabais desse seu costume. Desde a multiplicação dos pães e peixes até a refeição do cenáculo, quando instituiu o memorial de sua paixão, Jesus deu graças. Seguiu o rito. Os cristãos herdaram essa tradição e costumeiramente à mesa, são instados a darem graças pelos alimentos postos. Em muitas tradições evangélicas era o momento em que liam um trecho das Escrituras, uma página de um clássico devocional e se fazia memória dos pobres em suas orações. Encerravam a alimentação com um salmo e uma bênção paterna. Juntos à mesa conversavam sobre o culto, o sermão, o trecho do catecismo do dia. Mas também conversavam sobre as demandas do dia, os desafios da faina, e buscavam e davam conselhos sábios para o transcurso do dia. O momento à mesa era ‘sagrado’. Claro, havia espaço para o humor, a conversa leve e descontraída que cura os males da alma e dá leveza à existência. Infelizmente outros nichos, outros ‘sacrários’, outros altares ocupam a solenidade das refeições. A TV e o smartfone, por exemplo, falam, sentem e pensam por nós. O altar da mesa humanizava e sensibilizava a nossa natureza, hoje, estamos ficando embrutecidos, menos humanos e mais ‘digitais’. Faríamos bem à nós mesmos se redescobríssemos o valor da ‘mesa da cozinha’ como um dos nossos altares. E por fim, o altar do púlpito e da mesa da eucaristia. É ali, sob a autoridade das Escrituras e ao redor do corpo e sangue sacramentais de Jesus que prestamos um culto comunitário vivo e solene. É donde recebemos as vitais instruções para a totalidade de nossa vida, recebemos o perdão dos nossos pecados, renovamos a aliança e somos empoderados pelo Espírito de glória para vivermos como família adequadamente à vontade de Deus. Esses três altares não podem muito se forem desconectados um do outro. Talvez uns possam mais ou menos do que o outro, se acessados separadamente. Entretanto, é impossível calcular todos os benefícios morais, espirituais, intelectuais e afetivos que a estrutura desses altares pode oferecer a cada um de nós e às nossas famílias, de maneira real e duradoura. Reconstrua os altares da sua família, visite-os com regularidade e sinceridade e receba a vida que deles jorra. E que o Senhor muito, muito te abençoe!
Reverendo Luiz Fernando é Ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil.
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