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Itapira, 28 de Mar�o de 2024
Artigo
29/01/2019 | Luiz Santos: O que é a vossa vida?

A antiquíssima regra beneditina exorta o monge a ter todos os dias, diante dos olhos, a morte como a surpreendê-lo. É um sábio conselho à vigilância e também um gracioso convite para que o monge viva cada “pedacinho” da vida confiado na graça de Deus e vivendo com intensidade e integridade as coisas mais essenciais. Esse trechinho da regra dos monges tem profundas raízes bíblicas:Mostra-me, Senhor, o fim da minha vida e o número dos meus dias, para que eu saiba quão frágil sou” (Sl 39.4); “Vocês nem sabem o que lhes acontecerá amanhã! Que é a sua vida? Vocês são como a neblina que aparece por um pouco de tempo e depois se dissipa” (Tg 4.14); “Meus dias são como sombras crescentes; sou como a relva que vai murchando” (Sl 102.11) e ainda:Lembra-te, ó Deus, de que a minha vida não passa de um sopro; meus olhos jamais tornarão a ver a felicidade” (Jó 7.7). Também os puritanos dos séculos XVI e XVII cultivavam uma espiritualidade semelhante e homens como John Flavel, John Owen, Thomas Goodwin e Robert Macheynne, ensinavam em suas pregações e tratados os cristãos a considerarem com gravidade e solenidade o fim de seus dias e a hora da morte. Em nossa sociedade e cultura superficiais e inconsistentes, esses ensinamentos soam como inoportunos, mórbidos e doentios. Claro, nosso tempo banalizou a morte e esvaziou o seu sentido do sagrado. Basta ver as séries de TVs como CSI, Law & Order, Walking Dead, para ficar nesses exemplos, como a vida e o corpo humano são coisificados e a morte tratada com profundo secularismo, isto é, esvaziado de qualquer traço de transcendência ou relação com o sagrado. Escrevo essa pastoral tendo em mente a horrível tragédia de Brumadinho/MG. Mais que uma tragédia, até onde se pode entender o caso, um crime brutal. Penso em todas as vítimas envolvidas e como deve ter sido aquele pedacinho da vida que antecedeu o infortúnio. Penso no marido saindo de casa para o trabalho e deixando a esposa no portão, dela se despedindo com um beijo e prometendo chegar mais cedo do trabalho. Penso naquela mãe que deixou o filho adolescente dormindo, aproveitando o restinho das férias, saiu para o trabalho e deixou um bilhetinho com instruções para o dia até a sua chegada. Penso nos amigos, saídos do refeitório, num papo animado sobre o clássico do futebol mineiro que se realizaria dali uns dias. Uma conversa animada, daquelas que devolvem a sanidade e renovam as forças para a continuação da faina. Difícil não pensar nos hóspedes daquela pousada, um tempo de celebração da vida e pensar na última mensagem de whatsapp que terminou com reticências e depois o ensurdecedor silêncio. De repente aquele pedacinho da vida foi abruptamente interrompido e sei que parece absurdo o que escrevo, a morte chegou de improviso sobre todos. Seus planos futuros, grandes ou pequenos, importantes ou triviais, seus sonhos, realizáveis ou delirantes, tudo soterrado pelo pesado manto dos rejeitos minerais e lama. Eventos assim devem provocar sempre nos cristãos profundas reflexões sobre a natureza da vida, seu propósito e como a temos administrado. Sim, a vida deve ser entendida em termos de uma administração da qual daremos contas um dia. Tragédias como essas, passados os dias do engajamento emergencial, engajamento em orações, solidariedade concreta em forma de doações, serviço voluntário e engajamento por justiça e transformação da realidade política para que essas coisas não mais ocorram por negligência e avareza. Passados esses dias, é preciso que façamos uma espécie de auditoria em nossa consciência em busca de desperdício e mau uso dos “pedaços” de vida que a soberania do Senhor nos entrega para viver. Creia, a vida não nos vem por inteiro, mas em “pedacinhos” e o Senhor faz assim para que possamos saborear sem pressa, degustar com intensidade, ter prazer em distinguir os sabores de cada momento que podem ir do amaríssimo à doçura mais inefável. Esses pedaços de vida e da vida nos oferecem em cada instante a oportunidade de buscar o que é o essencial do porquê estarmos aqui, viver para a glória de Deus, desfrutar de suas bênçãos no recesso do lar e no aconchego daqueles que nos foram dados para amar, a família. Viver dentro do pacto como povo de Deus na Igreja e desfrutar das conquistas de Cristo e participar da missão dele no mundo. Viver com intensidade o nosso chamado à santidade a partir de nossa vocação que se realiza em nossa profissão para que, quando a morte chegar, não tenhamos outra coisa a fazer senão morrer para que a vida jamais se acabe.

 

 

 

Rev. Luiz Fernando é Ministro da Palavra na Igreja Presbiteriana Central de Itapira

Fonte: Luiz Santos

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