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Itapira, 18 de Maio de 2024
Notícia
18/01/2012 | Big Brother Brasil: o espetáculo não pode parar...

 

Tenho acompanhado pelo Facebook o debate relativo ao suposto abuso sexual de uma das participantes do “Big Brother Brasil 12” por outro colega de programa.
 
A questão pode ser discutida sobre vários aspectos. Um deles é o jurídico. Questiona-se a prática de eventual crime de estupro de vulnerável (art. 217-A, parágrafo primeiro, do Código Penal) em decorrência de a alegada vítima ter sido molestada sexualmente enquanto se encontrava em estado de embriaguez (e, portanto, incapaz temporariamente de expressar consentimento válido para o ato). Inacreditável o questionamento...
 
Infelizmente, vivemos sob uma percepção formal do Direito, esvaziada do contexto sócio-cultural e jurídico-valorativo, o que leva, às vezes, a conclusões dissonantes.
 
Não há Direito, nem Justiça, sem contexto. A lei é o GPS da sociedade. Cabe a ela orientar nossas condutas e nos conduzir, da melhor forma possível, ao destino que escolhermos. Entretanto, quem já não se aborreceu com seu GPS pelo fato de haver indicado caminhos mais longos, mais difíceis ou simplesmente errados? Quem, diante da realidade, não ignorou as orientações do aparelho para se adaptar a um caminho melhor?
 
Assim é a lei. Pobre daquele que acredita que o Direito está exclusivamente nela... Quem deseja encontrar a Justiça na letra da lei vai, com certeza, encontrar caminhos longos, esburacados, obstruídos. A culpa não é do GPS. A culpa é sua, pois não olhou pela janela para verificar as condições reais da estrada.
 
É claro que ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com quem, por qualquer causa, não pode oferecer resistência é crime – e, nesse aspecto, a lei é expressa. Isso não se discute.
 
A questão é em que contexto esse crime ocorre (ou não ocorre).
 
Esse programa de televisão é conhecido pela exploração dos seus participantes, expostos a todo tipo de invasão de privacidade, de constrangimentos físicos e psicológicos, de submissão a regras abusivas de comportamento. Os próprios apresentadores o denominam de “jogo”, em que as personalidades são moldadas (ou adaptadas) a situações extremas que induzem conflitos propositais ou preordenados.
 
Após mais de uma década de exibição, são de conhecimento público os comportamentos adotados na “casa”. A audiência sobe com as brigas, as festas, as disputas – e, claro, com a exposição erótica dos participantes, sempre ressaltada nas edições semanais. Quem ingressa no programa, já conhece e consente com essa realidade.
 
A prática de atos sexuais durante o “jogo”, realizada sob o edredom à luz esverdeada das lentes de visão noturna, deixou de ser novidade e muitas vezes é instigada, expressa ou veladamente, pelas próprias circunstâncias.
 
Acomodações coletivas mistas obrigatórias, compartilhamento de camas, distribuição de bebidas alcoólicas, estresse psicológico e moral, consentimento prévio dos participantes revelam contexto jurídico-valorativo ao qual a letra da lei deve se amoldar. A estrada está cheia de buracos e obstáculos!
 
Aliás, pensando sobre o caso, lembrei-me das lições de Nelson Hungria e Magalhães Noronha, ao tratarem da atipicidade penal na hipótese de “crime putativo por obra do agente provocador”, também conhecido como crime de ensaio, em que o imaginário delito é praticado na forma de uma encenação teatral, ao olhar de (tel)espectadores ocultos. Lembrei-me também da escusa do erro de proibição, prevista no art. 21 do Código Penal.
 
Por outro lado, se houve crime, qual é a responsabilidade dos organizadores do programa?
Pensando sobre o assunto, lembrei-me da responsabilidade penal e da relevância da omissão daquele que, por qualquer forma, assumiu a posição de garantidor ou, com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado (art. 13, parágrafo segundo, do Código Penal).
 
Lembrei-me do art. 63, inciso II, da Lei das Contravenções Penais, que prevê pena de prisão-simples, de dois meses a um ano, ou multa, àquele que servir bebidas alcoólicas a quem já se acha em estado de embriaguez.
 
Enfim, lembrei-me de muitas coisas... Mas o que importa? Afinal, é tudo um grande espetáculo. O espetáculo da exploração humana em busca da fama, do dinheiro, da audiência. E, como todos sabem, o espetáculo não pode parar... “Vinte piruetas, trinta piruetas! Bravo! Bravo!”
 
Nivaldo Dóro Jr. é professor da PUC Campinas.
 
Fonte: Nivaldo Dóro Jr.

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