Outro criminoso da década de 1930 que ganhou a fama de defensor do povo foi Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Muitos livros o tratam como um Robin Hood do Sertão - o historiador britânico Eric Hobsbawm, por exemplo, citou Lampião como exemplo de bandido social, aquele que realiza "uma forma primitiva de protesto" contra a exploração no campo. Há muito tempo se sabe que o cangaceiro estava mais para o contrário: um defensor dos ricos.
"Isso mesmo! Lampião dava a vida para estar entre os coronéis", contou, num depoimento ao historiador Frederico Pernambucano de Melo, o cangaceiro Miguel Feitosa, que conheceu Virgulino, na década de 1920. "Vivia de coronel em coronel", ele completa. Em 1923, Lampião invadiu a cidade de Triunfo, na Paraíba, só para tirar de lá um homem chamado Marcolino Diniz, que tinha matado o juiz da cidade durante uma discussão. A invasão à delegacia foi um serviço encomendado pelo sogro do assassino, José Pereira Lima, maior chefe político do interior da Paraíba, daquela época. Já com pobres, mulheres e vilas indefesas, o cangaceiro não era tão camarada. Há relatos de que ele marcou, com ferro quente, o rosto de mulheres surpreendidas com vestidos curtos e decotes cavados. Contrário à construção de estradas no sertão, em pelo menos cinco ocasiões atirou em operários quando eles trabalhavam em alguma obra.
"A violência contra os fracos, que até então poderia ser vista como um dos instrumentos de dominação de classe, com o cangaço de Lampião se banaliza", afirma, no livro A Derradeira Gesta, a historiadora Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros.
Existe um lado de Lampião que é menos conhecido. O homem era brega no último! Obcecado por luxos, novidades estrangeiras e pela própria aparência, ele costumava exagerar. Fã de uísque White Horse e licor de menta francês, perambulava pelo sertão com os botões de ouro no casaco e cheio de perfume. "Os cabelos, negros, lisos, levemente ondulados, untados por brilhantina da melhor qualidade, a que fazia juntar respingos generosos de um dos bons perfumes que a França nos mandava à época: o Fleur d'Amour", descreveu o historiador Frederico Pernambucano de Melo.
De acordo com o autor, Lampião gostava tanto do perfume que o colocava até nos cavalos do bando. O cangaceiro tinha uma preocupação especial com a roupa: usava túnicas de chita de cores berrantes e lenços de seda. Ao se apresentar para pessoas importantes, dava a eles um cartão de visitas com foto - coisa que só os mais "cheios da grana" da época possuíam. Lampião também adorava andar pelo sertão de carro, dentro dos primeiros modelos que chegaram ao Nordeste.
BIBLIOGRAFIA:
Eric Hobsbawn, Bandits, Penguin Books, 1975, pág 59 a 61.
Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, A Derradeira Gesta, Mauad, 2000, pág 55.
Frederico Pernambucano de Melo, Quem Foi Lampião, Sthali, 1993, pág 41.
Leandro Narloch, Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, Leya, 2009, pág 254 a 255.
Frederico Pernambucano de Melo, Quem Foi Lampião, Sthali, 1993, pág 108.
William Waach, Camaradas, Companhia das Letras, 1993, pág 209 a 212.
William Waach, Camaradas, Companhia das Letras, 1993, pág 225.
William Waach, Camaradas, Companhia das Letras, 1993, pág 291.
William Waach, Camaradas, Companhia das Letras, 1993, pág 182a 183
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