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Itapira, 23 de Abril de 2024
Artigo
03/11/2013 | Nino Marcati: Da barriga à morte

  

Empurrar com a barriga parece ser uma prática habitual da nossa raça. Tendemos a evitar determinados enfrentamentos, costumamos poupar nossos amigos e parentes de algumas verdades que imaginamos mais comprometedoras que resolutivas, deixamos de reclamar direitos para não cair no ninho dos “chatos”, escondemos, às vezes, fatos históricos importantes das nossas vidas ou dos nossos familiares para não revirar baús que possam infelicitar pessoas que amamos, segundo o nosso ponto de vista, evidentemente. Enfim, nos acovardamos, muitas vezes, nos calamos achando que estamos tomando a decisão mais acertada, quando, quem sabe, deveríamos enfrentar com ações orientadas ou, simplesmente, botando a boca no trombone ou no clarinete. Passa-se o tempo e coisas acabam explodindo de maneira não desejada e tudo o que foi empurrado com a barriga, retorna, muitas vezes, com estragos irremediáveis. Não é a toa que a literatura universal é farta nesse tema.

Talvez o dia de Finados tenha me sensibilizado. Essa semana me permitiu traçar um paralelo entre a tendência natural das empurradas com a barriga e a postura que nos coloca diante da própria morte.

É bem verdade que tem um lado nessa questão que assombra. Além da perpetuação da espécie - característica de todos os seres vivos deste planeta – nós nos tornamos o único exemplar vivo a ampliar o próprio tempo de vida. Enquanto o cavalo, por exemplo, permanece vivendo, em média, os mesmos trinta e dois anos, o ser humano está perto de triplicar a sua média quando comparada ao início dos séculos. Empurramos ou não empurramos a data fatídica?

Mas tem outro lado dessa história, mais intrigante. Andamos empurrando tanto a morte com a barriga que passamos a ter a sensação da imortalidade. Fazemos coisas erradas achando que o tempo nos vai redimir ou que vamos esquecer-nos dos envergonhamentos. Não é raro encontramos pessoas cuidando mais da saúde do veículo estacionado na garagem, do que com determinadas dores ou incômodos, isso quando não comemos o que não devemos ou mais do que precisamos, consumimos bebidas alcóolicas em excesso, fumamos e dilaceramos os nossos pulmões com todo tipo de elemento presente no ar que respiramos. Sem falar nas drogas, na direção imprudente de veículos, na falta de segurança proporcionada por abestalhados, empresas gananciosas ou governos insensatos. Coisas que podem nos arrastar bem antes do tempo.

Caiu de moda na maioria dos países o uso das carpideiras. Elas ajudavam, antigamente, na manutenção do clima funeral triste. Eram mulheres que frequentavam velórios, por adjutórios ou trocados, para chorarem, copiosamente, envolvendo os demais veladores. Era o exercício de esticar o luto e conseguiam... Até que os antigos romanos precisaram determinar que as esposas guardassem luto do marido por um ano. Não para que elas chorassem trezentos e sessenta e cinco dias diretos, mas para que elas não ultrapassassem mais do que esse tempo.

O nosso tempo de vida aumentou, nos sentimos mais imortalizados, nos descuidamos da nossa saúde e até nos embrutecemos em relação à morte. Só o empurrar com a barriga é que continua firme e forte.

Fonte: Nino Marcati

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