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Itapira, 19 de Abril de 2024
Artigo
10/08/2010 | Pai, sábio!

Meu pai era um homem comum, bom, justo, honesto, trabalhador e inteligente. Por conta desses atributos, sereno. A mais bela criatura humana que conheci. Que ninguém veja esses elogios como confetes “post mortem” lançados ao vento pelos laços parentescos ou por mera repetição de costume.  Demorei  mais de quarenta anos para desvendar as qualidades dele. Continuo, a cada dia, a cada flash das passagens congeladas e protegidas na minha memória, avançando na composição da sua personalidade.

Geraldo, meu pai, filho do imigrante italiano Alessandro Luigi Marcati, nasceu em Itapira, no ano de 1926, no bairro rural do Tanquinho.  Estudou até o quarto ano do Grupo Escolar Dr. Julio de Mesquita. Caminhava, por dia, cerca de 15 km, casa-escola-casa. A partir de instrumentos rudimentares construídos pelas próprias mãos, descobriu as variações sonoras e, quase autodidagmático, se encaminhou para a música. Virou saxofonista. Integrou orquestras de baile. Participou da Banda Lira Itapirense, mais de cinqüenta anos.

Profissionalmente, após a vinda da sua família para a cidade, trabalhou como servente de pedreiro e ajudou a abrir as valetas para o alicerce da Indústria de Papel Penha. Incorporado à Fábrica de Chapéus Sarkis tornou-se um especialista em montagem e manutenção de máquinas de chapéus de lã. Foi um dos últimos a sair e apagar as luzes da grande indústria falida. Depois de passar pela área de manutenção da Clinica Cristália, foi contratado pela Fábrica de Chapéus Cury de Campinas como responsável pela montagem do setor da qual era um dos poucos conhecedores do país. Além dos ensaios e apresentações musicais, gastava parte do tempo restante prestando serviços de instalações elétricas e hidráulicas. E ainda achava tempo para mim, seu único filho.

Quando criança, meu pai, exímio contador de histórias, as contava quase todas as noites.  Ele adorava fazer cabaninha na cama e a chamava de “nossa casinha”. Eu viajava nos contos e dormia feliz. Ele venerava o Natal e alimentava, com riqueza de detalhes, a minha fantasia “papainoelística” sem nunca ter se vestido como tal. Procedimentos, dentre outros, que copie com pouca repaginação para os meus filhos.

Naquela época o tratamento de filho para pai era extremamente cerimonioso. Pai tratava-se de senhor.  Meu pai, para mim, era você. Ele nunca me repreendeu. Curiosamente, sem que eu nada fizesse, meus filhos não só usam o mesmo tratamento, como substituíram coloquialmente a palavra pai por Nino. Nunca me incomodei.

Meu pai sempre manifestava aversão aos bêbados. Na adolescência, diante do meu primeiro porre e das suas conseqüências enojantes, além dele não me passar um reles sermão, cuidou da limpeza dos meus destemperos e quando eu acordei, lá estava ele avaliando a minha ressaca. Bastou-me reclamar da sede, prontamente veio com um canecão - de ferver leite - cheio de água fresca. Quase morri afogado.  Mais tarde, quando a mesma situação ocorreu com o meu filho, adotei procedimentos semelhantes. Descobrimos, sem trauma, os nossos limites. 

Perdi a minha referência paterna em maio de2002. Desde o seu passamento rogo para que ele entre nos meus sonhos de vez em quando. Passei oitos anos sem ter mais do que duas ou três identificações rápidas e descontextualizadas. Este mês, finalmente, acordei satisfeito com o sonho desejado. Nele meu pai estava trabalhando, vigoroso, mas a sua morte era considerada e a sua presença, espiritualizada. De imediato, pensei – “vou abraçá-lo. Mas como? Vou traspassá-lo”. Mesmo assim fui ao seu encontro. Para o meu espanto, senti cada ponto de contato corporal. O melhor abraço que eu dei nele em toda a minha vida.  

Shakespeare disse certa vez que “Sábio é o pai que conhece o seu próprio filho”. Hoje, eu não tenho a menor dúvida de que meu pai me conhecia muito bem e atuava de forma preventiva e competente, mesmo quando eu não levava a sério as suas considerações. Era pois, um sábio.  

Ao reverenciá-lo, tardiamente, talvez, conhecendo-o mais consistentemente, tenho certeza de que ele caso pudesse me acompanhar, se daria por satisfeito. Não por esta ou por qualquer outra homenagem factível. Mas pelo meu desejo e afinco no seguimento dos seus passos.

Feliz Dia dos Pais a todos!    

Fonte: Nino Marcatti

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