O período eleitoral é sempre muito movimentado no tocante às ideias apresentadas, sempre muito interessantes para medirmos a compreensão política dos agentes envolvidos, desde candidatos, assessores, imprensa e articulistas em geral. Todavia, o mais importante é que aprendamos a debater e problematizar tais pontos de vista, tais elaborações programáticas, questionando principalmente postulados que tentam enquadrar e sugerir como deve ser o próximo prefeito, especialmente no que se refere às suas relações com as esferas superiores de governo, ou seja, estadual e federal. No geral, os defensores de um determinado ponto de vista caminham por uma trilha muito pouco republicana e, desta forma, perigosa para a democracia, ou seja, reforçam uma visão sobre a relação entre os poderes onde o atendimento de necessidades das cidades passa por certa forma de clientelismo.
A ideia republicana parte do pressuposto de que os bens da nação são coisa pública, portanto, contrariamente à ideia de que os recursos públicos estão disponíveis para serem distribuídos de acordo com as melhores relações clientelistas, sendo alocadas para os amigos, para os preferidos, para os mais próximos do rei. Para o ideal republicano trata-se de entender a coisa pública de forma absolutamente democrática, estabelecendo que os recursos devem ser alocados para todos aqueles que participam da nação, sem qualquer distinção e muito menos a partir de relações diferenciadas dos agentes políticos entre si. Não é a amizade ou a filiação politica que deve definir o recebimento dos recursos, mas a necessidade para atendimento de demandas que o próprio coletivo da nação definiu com prioritárias.
A ideia política que defende a gestão de recursos através de seus contatos com deputados, que evoca a famigerada “emenda parlamentar”, ou seja, o ente politico que faz da política uma corrida para abocanhar mais recursos de um fundo escasso, valendo-se de seus benfeitores, nada mais realiza do que um adestramento da população, criando dependência em vez de autonomia e restringindo ainda mais a questão democrática. Enfim, as noções que fazem da politica uma caça desenfreada aos recursos disponíveis nos entes federativos superiores, desvalorizam a noção de direitos que deve direcionar numa república a destinação dos mesmos. Desta forma, acaba-se sugerindo a ideia de que a quadra poliesportiva, o hospital, a escola, a creche, qualquer que seja a melhoria ou serviço público, não estão alocados como direitos do cidadão, mas foram realizados pelas graças que um deputado ou agente político localizado em esferas institucionais mais elevadas proporcionou para cidadãos escolhidos e premiados. A lógica da emenda parlamentar, do deputado ou vereador que caça recursos é substituir a noção (tão fundamental para uma democracia) de direitos pela de prêmio, ajuda, benesse, para não dizer compra! Triste retrocesso para uma sociedade autodenominada moderna, praticando estratégias políticas que não figuravam bem nem para a época dos nobres e reis.
Neste sentido, é preciso criticar e questionar a ideia de que o caminho mais curto para se chegar aos recursos públicos é a filiação a um deputado “promoter”. Este é o caminho mais fácil para gerar a apatia política da população, para alijar o cidadão de decisões que se referem à coisa pública, para fazer da população refém e subordinada ao chefe político que sabe tudo o que a cidade precisa, cabendo a ela esperar passivamente pelos presentes que lhe serão oferecidos, ficando o cidadão na tarefa de glorificar a generosidade que lhe foi dispensada.
Flavio Eduardo Mazetto (cientista político e professor) [email protected]
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