Estamos praticamente no último domingo do tempo quaresmal. Logo começaremos os festejos pascais que, liturgicamente, iniciamos na quinta-feira da paixão, com o início do tríduo pascal. Antes, comemoraremos o domingo em que Jesus entra triunfalmente em Jerusalém, a “Festa dos Ramos”. O que aprendemos de mais essa quaresma, tão peculiar nesses dias de pandemia e sob os escombros e terror da guerra na Ucrânia? Enquanto escrevo essa pastoral, há uma semana de ser publicada, peço a Deus que até lá, essa insanidade que é a guerra tenha terminado. Entretanto, é sempre é bom lembrar que um conflito armado não acontece apenas entre Rússia e Ucrânia, nesse exato momento o mundo assiste pelo menos dez guerras civis ou internacionais nas regiões da África subsaariana, Oriente Médio, Norte da África, Ásia e Europa, que são: Líbia, Sudão do Sul, Iêmen, Etiópia, Afeganistão, Síria, Israel e Palestina, Região do Sahel, Turquia e Curdos e Armênia e Azerbaijão. Isso sem falar dos inadmissíveis índices de crimes contra a vida cometidos pelos cartéis de drogas no México e pelas Milícias e o crime organizado no Brasil e em especial no Rio de Janeiro. Vivemos em um mundo extremamente violento e a sacralidade da vida humana tem sido aviltada e banalizada a cada segundo. A quaresma nos leva a contemplar o preço do nosso resgate, a vida inocente de Jesus Cristo, morto pelas ímpias e violentas mãos de seus patrícios e do Império Romano. Ao mesmo tempo, a quaresma no ensina que a violência existente no mundo, os pequenos e grandes conflitos e toda a escalada da violência não encontra a sua razão de ser nos dilemas políticos, econômicos, geográficos ou de qualquer outra natureza. A raiz e o nascedouro das guerras estão presentes no coração do homem: “Pois do coração saem os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as imoralidades sexuais, os roubos, os falsos testemunhos e as calúnias” (Mateus 15.19) e mais: “De onde vêm as guerras e contendas que há entre vocês? Não vêm das paixões que guerreiam dentro de vocês?” (Tg 4.1). Esta é uma triste, mas realista constatação. Nós, nosso coração empedernido e depravado é a grande causa das guerras, das mortes gratuitas e desnecessárias, do aumento da miséria, do alastramento das pestes e epidemias e as dificuldades ulteriores de controle e erradicação. É de dentro do nosso coração que surgem as iniciativas de depredação do meio ambiente, das práticas de má governança com a coisa pública e a corrupção endêmica. A quaresma nos ensina que é preciso orar com o sábio e piedoso Rei Davi: “Cria em mim um coração puro, ó Deus, e renova dentro de mim um espírito estável” (Sl 51.10) e nos agarrar firmemente em ver cumpridas em nossa vida a promessa de Deus ao profeta: “Aspergirei água pura sobre vocês, e vocês ficarão puros; eu os purificarei de todas as suas impurezas e de todos os seus ídolos. Darei a vocês um coração novo e porei um espírito novo em vocês; tirarei de vocês o coração de pedra e lhes darei um coração de carne. Porei o meu Espírito em vocês e os levarei a agirem segundo os meus decretos e a obedecerem fielmente às minhas leis” (Ez 36.25-27). A nossa maior necessidade é a de sofrer esse transplante espiritual e moral do nosso coração, coisa que só a graça de Deus pode fazer, que só a sua soberana iniciativa de salvar, santificar e conservar pecadores arrependidos em estado de santificação pode fazer. Entretanto, essa santificação não ‘cai do céu’, embora venha do céu, no colo do cristão. Antes, conquanto seja o Espírito de Deus que torna possível os resultados do nosso esforço, esse mesmo Espírito Santo requer o nosso compromisso com a santificação. Não basta então apenas desejar um novo coração, orar por ele e se agarrar às promessas. Digamos, que do lado de cá da eternidade, a coisa toda pode começar assim, mas é preciso mais. É preciso que lutemos para conseguir esse coração novo, livre da idolatria, da maldade, do engano e da violência. Podemos decididamente atender ao que aconselha o Rei Salomão: “Acima de tudo, guarde o seu coração, pois dele depende toda a sua vida” (Pv 4.23). Proteja agora, hoje mesmo o seu coração. Não o exponha à violência, pornografia e maldades sem limites. Não se embruteça de tal maneira que venha a perder a sensibilidade, a empatia e a capacidade de apreciar o bom, o belo e a verdade. Cuide bem do seu coração e o encha até transbordar daquela verdade contida em Filipenses 4.8: “Finalmente, irmãos, tudo o que for verdadeiro, tudo o que for nobre, tudo o que for correto, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, pensem nessas coisas”. E que haja Páscoa e que a paz se faça. Sursum Corda!
Reverendo Luiz Fernando é Ministro Presbiteriano em Itapira.
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