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09/04/2011 | Presidente do BNDES critica política oficial para o dólar
Presidente do BNDES critica política oficial para o dólar
Coutinho sugere mobilização de empresários para pressionar o governo
Uso da valorização do real em relação à moeda estrangeira para conter a inflação prejudica indústria, diz executivo
VALDO CRUZ
SHEILA D'AMORIM
DE BRASÍLIA
O presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Luciano Coutinho, criticou ontem numa reunião fechada com empresários a estratégia usada pelo governo para lidar com a valorização do real em relação ao dólar.
Segundo a Folha apurou, Coutinho disse aos empresários que o governo desistiu de conter o dólar num patamar de R$ 1,65 porque o câmbio pode ajudá-lo a combater a inflação, apesar dos prejuízos que o real forte traz às indústrias que enfrentam a competição das importações.
Coutinho afirmou que "a indústria está sendo destruída" com a taxa de câmbio atual e defendeu "uma mobilização de toda indústria para combater isso", de acordo com participantes do encontro, realizado em São Paulo.
"O governo tinha o compromisso de sustentar o câmbio em R$ 1,65 e isso está sendo abandonado devido à inflação", disse a empresários.
O dólar fechou ontem cotado a R$ 1,57. Descontada a inflação, ele se encontra atualmente no nível mais baixo registrado desde que o governo abandonou o regime de câmbio fixo adotado no início do Plano Real.
As afirmações de Coutinho surpreenderam os empresários e expuseram as divisões existentes na equipe da presidente Dilma Rousseff sobre a estratégia do governo.
O presidente do BNDES afirmou acreditar que falava em nome de outros ministros, citando o do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, "com quem sou muito afinado", e o da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante.
Coutinho, Pimentel e Mercadante participam todo mês de um encontro com um grupo de empresários criado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) para difundir a inovação tecnológica. Pimentel e Mercadante faltaram à reunião ontem, mas enviaram representantes.
No início desta semana, ao anunciar novas medidas cambiais, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, deixou claro que alguma valorização do real é inevitável por causa do excesso de dólares no mercado internacional.
Mantega disse que o governo não quer tomar medidas "drásticas" e prefere errar para menos do que para mais ao calibrar a taxa de câmbio, por ter medo de "efeitos colaterais".
A equipe de Dilma chegou a analisar a hipótese de adotar "as medidas mais drásticas", mas optou por deixá-las de lado para priorizar agora o combate à inflação.
Procurado pela Folha, Coutinho disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que sua manifestação no encontro com os empresários "não foi uma crítica à condução da política cambial".
Logo após o encontro em São Paulo, o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, divulgou nota com declarações na linha defendida por Coutinho: "O governo precisa tomar medidas duras e radicais, sob o risco de termos no Brasil só bancos".
Foco do governo é o capital especulativo
DE BRASÍLIA
Ciente de que não vai conter a tendência de apreciação do real, a equipe econômica do governo está tentando fechar brechas que possam gerar uma queda abrupta do valor do dólar no curto prazo.
A preocupação é que, no futuro, uma reviravolta do cenário internacional leve a uma desvalorização acentuada e repentina do real, o que causaria estragos na inflação.
Interlocutores do governo têm afirmado que "o real está se movendo, vai continuar, mas tem que ser devagar porque se não a volta pode ser forte".
Para a equipe econômica, não há medida que possa ser tomada que vá reverter uma tendência mundial de desvalorização do dólar frente a outras moedas.
O foco inicial da equipe econômica é o capital especulativo - diante de uma das maiores taxas de juros no mundo e com dinheiro em excesso no mercado internacional, o ingresso de recursos no país bateu recorde neste ano.
Ao tentar inibir esse fluxo de recursos, Fazenda e Banco Central atacam, ao mesmo tempo, dois problemas: a apreciação exagerada do real e a oferta abundante de crédito, que sanciona alta de preços.
Como os juros estão baixos lá fora, as captações externas têm sido fonte de recursos para empréstimos e financiamentos concedidos pelos bancos.
Mantega nega usar dólar contra inflação
Ministro da Fazenda admite benefícios da valorização do real, mas diz ter outras ferramentas para conter os preços
Ex-membros do governo sugerem que BC deixe o dólar cair para aliviar a pressão de preços externos na inflação
MARIANA CARNEIRO
DE SÃO PAULO
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, admitiu ontem que deixar o câmbio flutuar sem qualquer intervenção seria bom para segurar a inflação, mas negou que essa seja a estratégia do governo.
"É verdade que seria bom para a inflação, mas nós não fazemos essa política. A política antiinflacionária é aquela definida nas medidas do Banco Central e da Fazenda, que visam a reduzir o consumo e a demanda", afirmou.
No dia anterior, ele havia anunciado o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) de 1,5% para 3% sobre empréstimos pessoais de um ano ou mais.
As declarações de Mantega foram feitas durante um seminário promovido pela revista "Brasileiros", em São Paulo. E foram uma reação à defesa do ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, que sugeriu que o governo deixasse de interferir na cotação do dólar como forma de combater a alta de preços.
Nos últimos 12 meses, a inflação já chega a 6,3%, perto do teto da meta estipulada para este ano, de 4,5% com tolerância de dois pontos percentuais para cima.
"Deixando o câmbio flutuar, a cotação poderia ir a R$ 1,50 [ontem fechou em R$ 1,57], o que iria prejudicar parte do setor privado exportador. Mas isso teria outros efeitos colaterais positivos, como reduzir a pressão inflacionária e a necessidade de se empregar uma taxa de juros maior", disse Mailson.
"O inimigo é a inflação e ela está se generalizando. Está na boca do povo, numa sociedade viciada em indexação, o que é muito grave", afirmou.
Outro defensor do fim das intervenções no câmbio é o ex-diretor do BC Edmar Bacha. Ele refuta o argumento de que o câmbio valorizado seja ruim para as exportações e para a indústria.
"Estamos abdicando de um instrumento de controle da inflação em nome de não sei bem o quê. A economia está em pleno emprego. O que interessa se está produzindo brinquedo ou se está produzindo álcool? Não acho que produzir brinquedo seja mais importante", afirmou.
REAL VALORIZADO
Na avaliação do professor da Unicamp Ricardo Carneiro, o governo vem optando por um real um pouco mais valorizado. Segundo ele, o governo está "calibrando" o valor do dólar. Ou seja, evita uma apreciação excessiva do real, mas também não toma medidas mais drásticas para fazer o dólar subir.
"Com a inflação batendo no teto, o governo tem que ser tolerante com certa apreciação do real", defendeu.
Mesmo crítico à entrada excessiva de capitais estrangeiros no país, o professor da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo também argumenta que o governo não pode provocar um aumento do dólar.
"O governo não pode desvalorizar o câmbio agora. Se não, vai trazer para dentro o choque de commodities lá de fora", afirmou, referindo-se ao aumento das matérias-primas no exterior.
Em entrevista à Folha por e-mail, o ex-presidente do BNDES e ex-diretor do BCl Luiz Carlos Mendonça de Barros foi categórico e disse que, no cenário atual, o uso do câmbio para combater a inflação é "grande tolice".
Para o economista, o governo deve usar o controle dos gastos públicos, a taxa de juros e formas alternativas de frear o crédito. "O grosso do desequilíbrio de preços está nos segmentos pouco expostos ao comércio exterior, como serviços e preços indexados à inflação passada", disse.
Colaborou MARIANA SCHREIBER, de São Paulo
Fonte: Folha de São Paulo
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