Depois de algum tempo, você se acostuma aos sinais da morte: os olhares vazios e inexpressivos; as raízes dos dentes sobressaindo nas gengivas ressecadas; a carne enrugada esticada como couro seco por cima das juntas salientes. E há uma uniformidade terrível nesses sinais, quer você olhe para os restos de 500 anos de um cachorro, encontrados em 1953 em meio à turfa na Alemanha ou para uma criança peruana embalsamada há 800 anos que foi enterrada numa posição agachada e compacta.
Mas aquilo com o que você não se acostuma nessa exposição assombrosa, hipnotizante e de certa forma aterrorizante, “Múmias do Mundo”, que foi inaugurada no Instituto Franklin na Filadélfia no sábado (11), são os sinais de vida que ainda estão evidentes nesses corpos mumificados, os indícios de alguma coisa anterior à morte, que permaneceu intacta por conta do gelo, da turfa ou da cripta, ou preservada com o uso de faixas de tecido, vários sais, pasta de alcatrão e obsessiva determinação.
Pode-se observar o cabelo sedoso e amarelo pálido de uma criança egípcia cóptica do século 8, visível entre as bordas de uma antiga túnica bordada, ou as tatuagens ovais na pele acima dos seios ossudos de uma mulher peruana do século 13, ou -- tão tocante quanto um pesadelo -- a carne escura e enrolada de uma criança peruana de 8 a 10 meses que morreu há 6.500 anos, pelo menos mil anos antes de os egípcios ficarem conhecidos por preservar seus governantes mortos para uma eternidade de prazeres póstumos.
Os traços da vida estão em todo lugar por aqui, numa mostra que se descreve como “a maior exibição de múmias reais e artefatos relacionados já reunidos”. Há 150 objetos à mostra, a maioria emprestada de museus alemães. Eles incluem não só as esperadas relíquias do antigo Egito, mas também relíquias inesperadas daquele tempo e lugar: múmias de falcão, íbis, crocodilo; um pé mumificado separado dos outros membros numa época em que as múmias eram roubadas por suas partes; uma cabeça egípcia impressionante da era romana, enrolada pela metade em tecido de embalsamamento.
As sensações se acumulam, uma vez que também estão exibidas múmias bem menos conhecidas da América do Sul, onde, ao longo de milhares de anos, várias culturas aperfeiçoaram técnicas de embalsamar, desde os antigos Chinchorros do Peru, passando pelos Chiu-chiu do século 13 no Chile, chegando até os incas, com seus sacrifícios humanos e celebrações da morte. E aqui, também, há membros de uma família da Hungria do século 18, os desafortunados Orlovits, que pereceram quando a tuberculose devastou a pequena cidade de Vac. Seus corpos foram redescobertos em 1994, mumificados naturalmente, e sua pele fina como papel está repleta de pequenos furos feitos por insetos numa cripta esquecida de igreja.
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