Investigação do mensalão precisa ser mais célere
EX-PROCURADOR-GERAL DIZ HAVER
ELEMENTOS SUFICIENTES PARA CONDENAR OS 38 RÉUS CITADOS NA DENÚNCIA, PORQUE
"PARTE RELEVANTE DOS VALORES TEVE ORIGEM EM RECURSOS PÚBLICOS"
MÁRCIO FALCÃO
DE BRASÍLIA
Responsável pela denúncia do mensalão no STF
(Supremo Tribunal Federal), o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando
de Souza critica a demora da Polícia Federal em investigar os desdobramentos do
caso.
Em fevereiro, cinco anos após o início das investigações, a PF concluiu
relatório sobre a origem do dinheiro do esquema.
O documento faz parte de um
inquérito aberto em 2007 e está em análise pelo Ministério Público Federal, que
pode pedir novas investigações. "O tempo [cinco anos] foi muito longo. A
investigação deve ser mais célere."
Advogando desde que se aposentou do
Ministério Público, em 2009, ele afirma que há elementos suficientes para
condenar os 38 réus que ainda permanecem na denúncia. O motivo: "parte relevante
dos valores teve origem em recursos públicos".
Em entrevista à Folha, ele
rechaça a ideia de que o mensalão possa ser esvaziado com a volta de personagens
ao cenário político.
O ex-presidente Lula chegou a prometer que iria
desmontar a "farsa do mensalão". "Esta reabilitação política não pode sugerir
que tudo passou de uma invencionice", disse o ex-procurador.
A seguir,
trechos da entrevista concedida em Brasília.
Folha
- Como o senhor recebeu esse relatório da PF do inquérito paralelo ao mensalão?
Antonio Fernando - Embora o relatório não se refira à ação penal do
mensalão que está no Supremo, mas a um inquérito [paralelo] aberto em 2007, foi
positivo porque confirma o que foi descrito na denúncia quanto às fontes dos
recursos. Só me preocupa que a investigação tenha demorado tanto.
Qual
o efeito dessa demora?
O trabalho de investigação deve ser mais célere.
Cinco anos atrás, houve críticas porque a denúncia foi oferecida antes do
relatório final da CPI dos Correios, mas o Ministério Público compartilhava as
provas obtidas pela CPI e o relatório era dispensável. Criticou-se a PF, que não
tinha apresentado relatório, mas pedido novas diligências. Se dependêssemos
desse relatório, é possível que estivéssemos esperando até hoje. A investigação
tem que ser conduzida para esclarecer fatos com a maior brevidade, não pode
ficar pesando indefinidamente sobre os ombros das pessoas.
O sr. acha
que pode ter ocorrido alguma ingerência na PF?
Não tenho informação a
respeito, mas tudo funciona em termos de prioridade. Aparece outro fato que
ganha o interesse e a polícia, talvez por falta de pessoal ou de estrutura, não
mantém o mesmo ritmo de atuação. Mas, nesse caso específico, o tempo [5 anos]
foi muito longo. Nesse mesmo tempo, houve o oferecimento e recebimento da
denúncia que resultou na ação penal e foi realizada praticamente toda a
instrução, com elevado número de denunciados, para se chegar à conclusão de um
inquérito em que os pilares da investigação já estavam
estabelecidos.
Como o sr. avalia a reabilitação política de alguns
personagens do mensalão, como o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que comanda a
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara?
Não sei se o termo certo
seria reabilitação porque houve apenas o recebimento da denúncia, não houve
condenação ainda. Essa questão da reabilitação está no plano político. Do ponto
de vista jurisdicional, continuam submetidos a julgamento. Agora, esta
"reabilitação política" não pode sugerir que tudo passou de uma invencionice.
Estou plenamente qualificado a dizer que tal suposição é
incorreta.
Mas esse retorno de alguns réus não pode representar a
tentativa de esvaziamento da denúncia?
Os ministros julgarão com base nos
elementos do processo. É claro que, ao julgar, podem condenar ou absolver.
Apesar de ter deixado a Procuradoria-Geral da República há quase dois anos, o
que posso dizer, com base no trabalho que fiz, é que já no momento inicial havia
elementos suficientes para justificar condenação a respeito de muitas das
imputações.
Como foi ter que investigar o ex-presidente Lula?
A
denúncia apresentada ao STF decorreu da apreciação de todo o material probatório
existente até aquele momento. Não havia preocupação de excluir ou de incluir o
presidente ou qualquer outra autoridade. Só foram denunciadas as pessoas contra
as quais havia prova. Em relação a ele, não havia provas. Não foi uma exclusão.
As provas não conduziam a ele.
O sr. se arrepende de ter denunciado 40
réus mesmo com risco de prolongar as investigações?
A denúncia foi
elaborada durante muito tempo e com muito cuidado. Um trabalho artesanal de
examinar as provas, os fatos penalmente relevantes, as pessoas que os tinham
praticado, e colocar no papel um texto consistente. Não houve preocupação quanto
ao número das pessoas, mas com a prova. Alguns fatos eram periféricos, mas
relevantes, e a denúncia perderia coerência se fizesse referência apenas às
pessoas com foro perante o STF.
Em sua avaliação, há risco de
prescrição dos crimes?
Pelo que lembro, não há qualquer das imputações
que esteja na undécima hora do prazo prescricional. Na hipótese de condenação, e
concretizada a pena, não é impossível que uma ou outra seja atingida pela
prescrição. Não creio, contudo, que se não houver julgamento imediato vá ocorrer
a prescrição de todos os delitos.
Para o sr. não há dúvida de que
houve emprego de dinheiro público no mensalão?
A investigação apontou
neste sentido e a denúncia descreve que recursos públicos foram utilizados. Se
eu tivesse dúvida, não teria apresentado a denúncia. Pelo menos parte relevante
dos valores teve origem em recursos públicos.
Que desfecho o sr.
espera?
O recebimento da denúncia pelo Supremo mostrou que a peça se
apoiava em prova consistente. Agora, o juízo é mais aprofundado do que o
anterior, na medida em que também se afere à culpabilidade dos denunciados.
Considero que, já no momento do oferecimento, todos os denunciados têm um
elevado grau de responsabilidade. Mas esse juízo quem vai fazer é o
Supremo.
Qual a lição desse caso?
Independentemente do
resultado do julgamento, fica a afirmação de que coisas públicas devem ser
usadas apenas com finalidade pública, para atender à sociedade. A Justiça tem
importante função educativa.
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