Há quem pense ser sinal divino o simples fato de alguém colocar os pés ou as mãos no fogo sem se queimar (incombustibilidade). Daí comentarmos, brevemente, o assunto a pedido de leitores.

O primeiro ponto a ser levado em consideração, na análise de um fenômeno tido como milagroso ou paranormal, é o da simples possibilidade de truque. Desse modo, quem se põe a observar um fato dessa natureza deve ter ao menos um conhecimento básico, ainda que apenas teórico, de mágica ou prestidigitação. É algo simplíssimo os mágicos, em apresentações públicas, “lavarem” as mãos no fogo sem se queimarem.

Descartada, no entanto, a possibilidade da arte, feita de modo profissional, que todos entendem ser brincadeira, dentro de um contexto recreativo, resta a mesma arte do ilusionismo realizada, no entanto, a fim de enganar os menos avisados como se tais feitos fossem ações de Deus ou do demônio. O estudioso deve, então, desmentir a pessoa que se diz possuidora desses poderes, explicando como o ato se deu, ou reproduzindo o feito para demonstrar que tudo não passa de mera técnica.

O segundo ponto, que é do fenômeno paranormal, merece atenção: Harry Price observou o indiano Kuda Bux, de Cachemira, caminhar sobre o fogo em um espaço preparado que tinha 8 metros de comprimento, 1 metro de largura e 35 cm de profundidade, com chamas alimentadas por três toneladas de lenha aptas a produzir 1400 graus centígrados. Ao final dela, o Sr. Bux não apresentava nenhuma queimadura.

As duas explicações dadas pelos estudiosos para o fato são naturais: 1) pode ser “calefação” – é a mais simples –, que supõe a existência de um pé grosso com uma crosta resistente, capaz de imunizar o corpo do calor ardente de uma fogueira; 2) outra é mais complexa: por uma espécie de mudança da vontade, se é capaz de modificar os tecidos do organismo e causar resistência ao calor intenso, preservando, assim, o ser humano dos efeitos físicos do fogo. É o poder da mente sobre o corpo (cf. E. Bettencourt, OSB. Curso sobre o Ocultismo. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 1990, p. 32; E. Friderichs, SJ. Panorama da Parapsicologia ao alcance de todos. São Paulo: Loyola, 1997, p. 206-207).

A terceira hipótese é a do milagre, ou seja, da ação direta de Deus. Algo muito raro, mas plenamente possível. Um milagre desses encontramos no livro de Daniel capítulo 3 no episódio conhecido como o da “fornalha ardente”. Após ler o respectivo texto, comenta o Pe. Oscar Quevedo, SJ, renomado parapsicólogo, que “bem claramente aparece o conceito bíblico nesse exemplo. O fogo conserva suas propriedades, sua energia térmica e combustiva. Os jovens não são consumidos pelo fogo porque intervém o poder de Deus. Inclusive, outro trecho da mesma passagem apresenta um Anjo, personificando a Deus, e a brisa de orvalho simbolizando o poder divino: ‘O Anjo do Senhor desceu para junto deles na fornalha e expeliu para fora a chama do fogo, fazendo soprar no meio da fornalha, um como vento de orvalho refrescante’ (Dn 4,49s)” (Milagres: a ciência confirma a fé. São Paulo: Loyola, 2000, p. 107).

Portanto, fica claro que a mágica visa à diversão, embora possa ser mal usada por oportunistas; o fenômeno paranormal é intrigante, mas natural: vem da própria natureza; o milagre é a intervenção direta de Deus em nosso mundo e ultrapassa todas as forças da natureza. Para ser considerado verdadeiro, no entanto, é preciso que seja espontâneo, ocorrido em ambiente religioso e totalmente inexplicável pelas ciências contemporâneas ao fato a fim de que não haja confusão entre a ação humana, sempre limitada, e a divina, ilimitada.

Vanderlei de Lima é filósofo com extensão em Parapsicologia pelo CLAP/FEG.